quinta-feira, março 09, 2006


Traqueia entupida com novelos de palavras e promessas de uma vida melhor... Vem para cima que há-de ser melhor, que hás-de ser melhor!
O Van Gogh já cortou a orelha há muito tempo! (talvez pelas mesmas razões). Pintava girassóis ao sol, como o sol.
De um amarelo tão forte que podia doer, como os meus batimentos cardíacos.
O processo é longo e cansa-me. Como as cores saturadas. Pinto a minha tela mas ainda estou na primeira linha...
As minhas roupas espartilham-me o corpo que aumenta sem eu lhe ordenar. Ordeno os pensamentos que já não cabem em mim. Desenrolo os novelos de palavras na tentativa de decifrar o código e aliviar um pouco as cordas vocais. Bebo um copo para empurrar o resto. Vivo o resto para empurrar o tempo. Queria ser uma nuvem, a pairar, apenas. E só isso. Leve, sem textura.
Monto um cavalo-alado que ainda se está a recuperar da gripe das aves, espirra muito e fazemos a viagem aos soluços. Parece um trote-soluçado.
Fizemos um voo rasante a acompanhar os golfinhos que faziam uma corrida. Os nossos saltos pareciam os deles, só que eles não estavam constipados!
Fomos para as montanhas onde parámos para descansar e beber água. Engasguei-me com uma truta que quase me entrou pela retina. Fiquei com soluços, o que não era uma boa combinação para mim e pró meu cavalo engripado!
Decidi fazer um casaquinho pró meu cavalo e comecei a tricotar, ainda tinha o resto daquele novelo na traqueia.
Tricot-Tri-Cot-I, Cot-Tri-Cot, faziam as agulhas a bater uma na outra a tecer o meu casaquinho-apalavrado que estava a ficar lindo! Quando acabei, arrotei!
- Bom proveito! Disse-me o cavalo que era bastante educado.
Vesti-lhe o casaquinho e ele com as asas quentinhas sentiu-se melhor.
Retomámos a viagem até ao arco-íris onde ele morava.
Abraçámo-nos e rimos da nossa passeata. Deixei-lhe uma borboletinha na crina e vim-me embora, a escorregar no Anil até casa...
O sol já se estava quase a pôr e lembrei-me dos girassóis.
Pintei um sol enorme na minha tela com cores que trazia nos olhos.
De nada me servia cortar uma orelha, faz falta!
Pousei os pincéis.


22 De Fevereiro
(Papoila à laia de Girassol)

Sem comentários: