sexta-feira, março 03, 2006



“Conto do Homem-que-vivia-dentro-de-um-bolso”
ou
“ Histórinha de Amor-à-laia-de-filme-de-ficção-ciêntifica”


Era uma vez um homem que vivia dentro de um bolso.
Passava horas a observar o mundo lá fora, as pessoas, as coisas, as relações entre as pessoas, o sol, a chuva, os fumos da civilização…
Coleccionava sentimentos que vivia através do outros. No seu bolso, tinha um jardim de flores-pedra, que nasciam de cada vez que ele desejava ter a vida de alguém.
E as noites passavam claras, em claro, com uma Lua-gorda, simpática com sorriso e braços de mãe…
É, precisava da noite como os homens do mundo precisam de beijos-doces na nuca e histórias de encantar, para se adormecer com a tranquilidade-quentinha que nos faz pequeninos-de-amor na almofada.
Os dias…ah, os dias… Sempre tão compridos… Tão cheios de imagens a entrarem--lhe pelo bolso dentro, Como uma bisnagadela de água no olho, quando é carnaval e os putos fazem guerras-de-Água Rua-contra-Rua, com prisioneiros e quartéis generais e tudo!
Dias sendo farrapos de vidas de outros: abraços, discussões, beijos, palmadas no rabo por causa de uma traquinice, indiferença, alegria, piropos, cuspos, papeis de rebuçados para o chão…
Masturbava-se com amor-paternal para os canteiros das suas flores-pedra, para que continuassem tesas e viçosas!
Sempre que nascia mais uma, sentindo-se triste, amava-a desde a primeira pétala até à morte, à sua morte.
O céu sempre negro de espanto, todas as noites e, no buraco infinito daquele cenário: a Lua.
Um dia, quis ser político e nasceu-lhe uma flor-pedra-de-cemitério no seu canteiro, outro dia quis ser: Actriz-de-Cinema e nasceu-lhe uma flor-pedra-estrelícia-emproada no canteiro…
Mais um dia atrás do outro, e outro, e outro…

Como sempre, fez o jantar com todo o requinte, os requintes, especiarias, azevias, avarias, velas e flores ao centro… E … Dois lugares na mesa.
Tinha um Gramofone-Inteligente que se ligava quando os seus
“sensores-ultra-espertalhões” pressentiam a necessidade de uma melodia ou a ausência dela.
Nos dias dinâmicos-de-energia cantarolava o dia todo, é que não se calava! Mas isso já não acontecia há tanto tempo, agora só umas operazitas quando ele regava o jardim-pedra e mais nada…Ausência, “bico-calado”, só o silêncio.
A sua máquina de conversas-porreiras-p’ra-afugentar-monotonias, tinha-se avariado pela falta de uso, ao que agora só respondia de vez em quando: - Opá, fala tu, pá!
- Opá, fala tu, pá! – Opá, fala tu, pá!…
Caíu à cama com um ataque de impaciência-triste, espirrava prantos e enchia os lenços-de-assoar de lágrimas-verdes e Macacos-desiludidos-de-tédio que ficavam cravados nos lenços à espera de um amanhã mais sorridente!
Mandou vir da Farmácia-take-away-que-nós-tratamos-lhe-da-saúde, algo que lhe pudesse dar um jeitinho-de-mel-em-leite-quente na vida.
Vieram umas carteirinhas de normalidade-sorriso-amarelada e duas
promoções-oferta, um pacote de água-oxigenada-em-pó vitalício para prevenir feridas infectadas. Agora, sempre que tivesse uma ferida já vinha desinfectada, “Só esperar a crosta” dizia no papel, e uns filtros-oculares para turvar a vista de todo e qualquer incómodo ou imagem-nauseabunda, com cores p’ra ver a vida.
Seguiu à risca as instruções da receita, mas o silêncio descia sobre a cama, escuro como o fumo e pesado como a cinza-podre dos corações-betão dos angustiados.
Seria uma doença crónica?


Moribundo, nauseabundo, meditabundo, tentou esgueirar-se do bolso para ver a rua, quem sabe se pela última vez!
Com olhos de ternura-decrépita ainda conseguiu ver lá em baixo uma mulher vestida de choros-frustrados-de-vida-preta que trazia um catraio pela mão, com uma cara de Sapideo-cinquentão e uma expressão de orquídea-economista. Preso ao braço trazia um balão-distraído com uma cor garrida que contrastava com o resto do quadro.
E o homem-que-vivia-dentro-de-um-bolso, desta vez, não quis ser ninguém…Quis ser o balão! Era tão bom se conseguisse ser o balão…Cor…Precisava tanto…
Com as poucas forças que tinha manteve-se a olhar atentamente para o balão, e com toda a força, concentrando-se, ficou a desejar o balão…
Uma rabanada de Vento-perverso…Vruuuuummmm, tudo pelo ar! Os sonhos do miúdo, a cabeleira da mulher, que era careca-despida-de-esperanças, uma
espiral-de-folhas-de-plátano-amantes-das-velocidades, que adoravam dar umas voltinhas de borla, à conta do Vento-perverso que as fazia rodopiar pela rua cheia de Plátanos-magricelas e gente-estranhamente-normal.
E o balão… Desprendeu-se-alegremente do braço do miúdo-sapideo-cinquentão que esboçou um sorriso-aliviado por se ter livrado daquele peso que o puxava para longe da Terra. Nem sequer ficou a olhar o trajecto do balão! Seguiram, mãe e filho, lentamente…Como quem vai para uma casa sem telhado, porque se tem um
pai-gigante-sem-braços à espera, para os não-abraçar depois de um dia de trabalho.








O balão, subia devagarinho e o homem-que-vivia-dentro-de-um-bolso estava quase a desistir, quando sentiu que o balão se roçava-melancólico nas paredes exteriores da sua casa-bolso…
Esgueirou-se para fora para o ver entre as cordas da roupa. De súbito,
desequilibra-se! – Ai, ai, ai…Tenta ainda agarrar-se a nada, mas…- Epá! Uôu! E, à laia de palhaço-malabarista-que-também-sabe-mandar-umas-piruetas, dá uma valente cambalhota no ar e vai cair de braços e pernas abertas em cima do balão. Estranho…O balão, com o susto do peso foi-se um bocado a baixo, mas depressa se recompôs e logo retomou a viagem, só que agora, com o
homem-que-via-dentro-de-um-bolso encavalitado na sua cabeça-balão.


Os dedos das mãos e dos pés desataram as crescer desmesuradamente e a uma velocidade incrível! Ainda teve tempo de ver os seus sapatos rebentarem à frente, com os dedos dos pés a sairem como dentes daquela
“boca-de-pele-de-crocodilo-urbano” de que eram feitos os seus sapatos, sacudiu-os. Seria ridículo andar para aí com uns sapatos tão minúsculos nuns pés tão potencialmente-enormes, as mãos: a mesma coisa. Enormes, os dedos a crescer como fios de esparguete.
Houve uma altura na sua vida que quis ter o cabelo comprido, era moda lá fora, mas isto agora era um abuso! Parecia que tinha uma manta a sair-lhe da cabeça que sentia como se fosse um tear-desinibido a tagarelar-metros e metros de mantas e cobertores e sabe-se lá o que mais!
Tudo convergia para o ponto do nó do balão onde o fio ainda estava preso.
A cara-elástica começou a fundir-se na borracha-alegre, o corpo pesado começou a tornar-se elasticamente-redondo e leve. Sentiu que um calor vindo de dentro lhe fazia corar o corpo todo, começando a assumir a garridez-contente do outrora balão… Que era isto? – Era o balão. – Ah, ah, ah, sou o balão! Riu-se com um sorriso
pintado-de-cor e extensível.
- E agora? Pensou. – Sem rumo?!
E, por aqui e por ali, a rodopiar, lá andava ele pelo breu nocturno, sempre a subir, a subir…
Uma bola luminosa lá ao fundo, não via muito bem, por causa do mar de cabelos e a ponta do nariz que também já não era, o que tinha sido…
- Aquela Lua-gorda, com sorriso e braços de mãe! De repente o sonho de uma vida, ali à sua frente ao alcançe de um sopro.
Ela olhou-o, e deu-lhe um abraço enorme.
Ficaram estarrecidos de olhos nos olhos, a trocarem juras de amor, sem falar…
…Um beijo. E rolaram pelo universo fora…E iam e vinham-se, e rebolavam, e voltavam-se e vinham-se, e viam-se e desejavam-se, e vinham-se e desejavam-se, sem fim.
E, como pipocas surgiram pintinhas luminosas, lindas, brilhantes que foram iluminando, forrando todo aquele negro, filhas daquele amor. Chamaram-lhes: Estrelas.
Tanto Amor que já não cabia naquela galáxia!
Sussurrou-lhe ao ouvido: - Vamos para baixo, tenho a mesa posta…
- Não! Espera! (entre milhões de beijos e reviravoltas) Não há ningúem que possa dizer que amanhã acorda!

E as flores-pedra morreram cansadas de esperar.
O bolso foi demolido uns anos-luz mais tarde para construirem um
Mega-centro-comercial-para-deprimir-carteiras-de-pessoas-caprichosas.
O sol, como presente de casamento trazia Dias-lindos, todos os dias.


FIM?

Ou

- Mamã, que mancha é aquela na Lua?
- Nada de especial filha, foi um homem muito rico e muito excêntrico que mandou lá construir um palácio, onde vive com a amante, diz-se que foram p’ra lá de biciclete a fugir do marido “dela”.

FIM






Sem comentários: